Audiência de Custódia

O que preciso saber caso um familiar ou amigo tenha sido preso e esteja prestes a passar pela audiência de custódia?
novembro 22, 2024

Audiência de Custódia: O que é? Nesse breve artigo pretendemos abordar o conceito, previsão normativa e finalidade da audiência de custódia.  Assim, pretendemos, sem delongas, fornecer informações para que o leitor compreenda de forma objetiva o assunto.

Pois bem. A chamada audiência de custódia, pode ser conceituada, parafraseando as palavras de Caio Paiva, como a condução do preso, sem demora, à presença de um Juiz de Direito que deverá averiguar a legalidade e a necessidade da prisão, bem  como verificar a presença de eventuais maus tratos ou torturas cometidas contra à pessoa do cidadão conduzido.[1]

A audiência de custódia está prevista em diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos como, por exemplo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP).

Ademais, a Convenção Europeia de Direitos Humanos também contém disposição semelhante ao prever que

“Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais (…)” (artigo 5.3).

Além da previsão em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, o artigo 310 do Código de Processo Penal, com a Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019, passou a prever expressamente a necessidade da audiência de custódia no processo penal brasileiro ao assim dispor:

“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:       (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)      (Vigência)

I – relaxar a prisão ilegal; ou           (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou              (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.”

 

Vale lembrar que antes da Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019, as audiências de custódia já eram realizadas no Brasil desde 2015 devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 347/DF que determinou a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia.

Deveras, antes de ser incorporada no Código de Processo Penal, a audiência de custódia vinha sendo realizada desde 2015 com fundamento nos tratados internacionais de direitos humanos e na resolução 213 do CNJ que estabelece o seguinte, vejamos:

“Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão. ”

 

 Segundo a doutrina, uma das finalidades é prevenir a tortura policial, fazendo com que o juiz ao ter contato diretamente com o custodiado possa verificar a ocorrência de maus tratos ou tortura.

Tal finalidade, inclusive, fez com que a comissão da verdade sugerisse a implementação da audiência de custódia. Consta do relatório final da comissão da verdade a seguinte recomendação:

 “Criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7 ° da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. ”[2]

Sobre isso, Weis e Junqueira defendem como uma “finalidade direta” da audiência de custódia a proteção da integridade pessoal do preso. Senão vejamos:

Um dos momentos cruciais, senão o de maior importância, para a prevenção da tortura corresponde às primeiras horas em que a pessoa é privada de sua liberdade de locomoção, ficando à mercê dos agentes estatais responsáveis pela segurança pública”.[3]

Nesse sentido Caio Paiva destaca ainda:

“Obviamente, porém, que não se pode esperar que a audiência de custódia, sozinha, elimine a tortura policial, uma prática que não apenas atravessou todo o período ditatorial, mas continua presente na democracia pós-Constituição Federal de 1988, agindo como uma espécie de “sistema penal subterrâneo”], aprovada por considerável parte da opinião pública e de agentes de segurança. No entanto, a medida pode contribuir para a redução da tortura policial num dos momentos mais cruciais para a integridade física do cidadão, o qual corresponde às primeiras horas após a prisão, quando o cidadão fica absolutamente fora de custódia, sem proteção alguma diante de (provável) violência policial.

Garantindo-se a apresentação imediata, ou, ainda, “sem demora”], a audiência de custódia pode eliminar – pelo menos – a violência policial praticada no momento da abordagem no flagrante e nas horas seguintes, pois os responsáveis pela apreensão/condução do preso terão prévia ciência de que qualquer alegação de tortura poderá ser levada imediatamente ao conhecimento da autoridade judicial, da Defesa (pública ou privada) e do Ministério Público, na realização da audiência de custódia”.[4]

Por fim, como uma terceira finalidade, serve para que o juiz verifique a legalidade e a necessidade da prisão. Sobre isso Caio Paiva citando o processualista Gustavo Badaró ensina:

O juízo a ser realizado na audiência de custódia pode ser considerado, portanto, conforme a lição de Badaró, um juízo complexo ou bifronte, já que: “Não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realizado mas também a valorar a necessidade e adequação da prisão cautelar para o futuro. Há uma atividade retrospectiva, voltada para o passado, com vistas a analisar a legalidade da prisão em flagrante, e outra prospectiva, projetada para o futuro, com escopo de apreciar a necessidade e adequação da manutenção da prisão, ou de sua substituição por medida cautelar alternativa à prisão ou, até mesmo, a simples revogação sem imposição de medida cautelar”. [5]

Portanto, na audiência de custódia, o Magistrado deve em um primeiro momento verificar a legalidade da prisão, e caso esta seja ilegal, decretar seu relaxamento, e em um segundo momento analisar a necessidade de se decretar a prisão preventiva ou conceder liberdade provisória, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de verificar a ocorrência de violência policial.

Assim, o presente artigo serviu para destacar os principais pontos relativo a instituto ora analisado, ressalta-se que a realização das audiências de custódia significou um grande avanço civilizatório no Brasil a partir de 2015.

Da mesma forma a aprovação da Lei nº 13.964, de 2019, que alterou o artigo 310 do CPP para prever expressamente a obrigatoriedade da apresentação do preso ao juiz em 24h após a prisão, foi de suma importância para acabar com qualquer resistência dos que insistiam em afirmar que a audiência de custódia não estava prevista em lei, mesmo com as inúmeras previsões em tratados internacionais de direitos humanos, os quais são incorporado ao nosso ordenamento jurídico com status de normas constitucionais.

Mateus Costa 

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[1]PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

[2]Cf. Parte V – Conclusões e Recomendações, item 25, p. 972. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/images/relatorio_final/Relatorio_Final_CNV_Parte_5.pdf. Acessado no dia 27/02/2015.

[3]WEIS, Carlos; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. A obrigatoriedade da apresentação imediata da pessoa presa ao juizIn: Revista dos Tribunais, vol. 921/2012, p. 331-355, 2012, acesso eletrônico

[4]http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/03/na-serie-audiencia-de-custodia-conceito-previsao-normativa-e-finalidades/#_ftn18

[5]Paiva, Caio. Audiência de custódia e o processo penal brasileiro. 2.ed.ver e ampl_ Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p 50